O pagamento de comissões sempre foi um dos pontos mais sensíveis nas relações de trabalho entre empresas e seus vendedores. Recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) consolidou o entendimento sobre o tema ao aprovar a tese vinculante do Tema 65, que traz mudanças relevantes quanto ao momento de exigibilidade e à integração das comissões na remuneração.
Neste artigo, vamos explicar de forma didática o que determina o Tema 65 do TST, como ele impacta as empresas — especialmente aquelas com equipes comerciais — e quais cuidados devem ser tomados a partir de agora.
O Que Diz o Tema 65 do TST?
O Tema 65 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) versa sobre uma das principais controvérsias envolvendo a remuneração variável de vendedores: o momento exato em que nasce o direito à comissão. A discussão girava em torno de dois entendimentos opostos que coexistiam nos tribunais regionais:
- Teoria da Venda Efetivada: segundo a qual o vendedor teria direito à comissão no momento da concretização da venda, independentemente do pagamento pelo cliente.
- Teoria do Adimplemento: que defendia que a comissão só seria devida após o efetivo pagamento pelo cliente à empresa.
Após análise em sede de recurso repetitivo, o TST fixou a seguinte tese vinculante:
“O direito ao recebimento das comissões somente nasce com o efetivo pagamento do cliente à empresa contratante. A mera formalização da venda ou assinatura de contrato pelo cliente não gera, por si só, a exigibilidade da comissão.”
Esse entendimento foi construído a partir da análise de diversos precedentes divergentes na Justiça do Trabalho e buscou uniformizar o tratamento da matéria em todo o território nacional. O TST, ao adotar a teoria do adimplemento, fundamentou sua decisão no princípio da segurança jurídica e na distribuição equilibrada dos riscos da atividade econômica. Segundo o Tribunal, o risco de inadimplência deve ser suportado pela empresa, como parte natural de sua atividade empresarial, e não transferido ao trabalhador.
Além disso, o Tribunal reforçou que, uma vez paga a comissão, a empresa não poderá posteriormente estorná-la ou realizar descontos compensatórios em pagamentos futuros, mesmo que o cliente venha a inadimplir ou cancelar a compra. Essa vedação foi expressamente consolidada na tese jurídica, tendo como fundamento o princípio da intangibilidade salarial e a proteção da remuneração já incorporada ao patrimônio jurídico do trabalhador.
Essa decisão também teve como objetivo evitar distorções na contabilização trabalhista e tributária das empresas, garantindo um critério objetivo para o momento de exigibilidade e contabilização das comissões, tanto para efeitos de folha de pagamento quanto de encargos sociais e tributários.
Contexto Histórico da Divergência
Antes da fixação da tese, havia uma acentuada divergência nos tribunais regionais trabalhistas em todo o país. O debate girava em torno de duas linhas jurisprudenciais bem definidas:
- Teoria da Venda Efetivada: Muitos tribunais regionais entendiam que o vendedor fazia jus à comissão no momento da concretização da venda, independentemente de o cliente efetuar ou não o pagamento. Essa tese defendia que a venda, ao ser formalizada, já geraria direito adquirido à comissão, sob o argumento de que a obrigação do vendedor estaria cumprida com a celebração do negócio.
- Teoria do Adimplemento: Por outro lado, havia tribunais que sustentavam que a comissão só seria devida após o efetivo pagamento pelo cliente, uma vez que a remuneração variável estaria vinculada ao ingresso financeiro na empresa. Essa visão buscava proteger o empregador dos riscos de inadimplência de terceiros, entendendo que o vendedor não deveria ser remunerado por receitas não realizadas.
Essa controvérsia gerava grande insegurança jurídica, com decisões contraditórias e aumento significativo do número de recursos sobre o tema. Empresas de diferentes setores enfrentavam dificuldades para estabelecer políticas claras de remuneração de vendedores, além de riscos de passivos trabalhistas imprevisíveis.
Ao julgar o Tema 65 em sede de recurso repetitivo, o TST buscou exatamente eliminar essa insegurança e padronizar o entendimento nacional. A decisão fortalece a previsibilidade das relações de trabalho, permitindo que empresas e trabalhadores saibam, de antemão, qual é o critério válido para a exigibilidade das comissões.
Impactos Práticos para as Empresas
1. Momento da Exigibilidade da Comissão
Com a definição do Tema 65, o TST consolidou o entendimento de que o direito à comissão só surge a partir do efetivo pagamento do cliente. Essa definição é fundamental para garantir previsibilidade jurídica tanto para empregadores quanto para trabalhadores. Agora, as empresas têm respaldo legal claro para vincular o pagamento das comissões à entrada real dos recursos financeiros no caixa da empresa.
Esse critério tem como base o princípio da boa-fé objetiva nas relações contratuais e a teoria do adimplemento, reforçada pela tese vinculante. Além disso, o TST reconheceu que o risco de inadimplência, típico da atividade empresarial, não pode ser repassado ao empregado, mas isso não significa que o vendedor deva ser remunerado por vendas não concretizadas financeiramente.
Do ponto de vista prático, a decisão elimina a insegurança quanto ao momento de registro contábil da obrigação e orienta os departamentos de Recursos Humanos e Financeiro a alinharem seus fluxos de cálculo de comissões com o efetivo fluxo de caixa.
Esse novo entendimento também afeta positivamente o controle de provisionamento de encargos sociais, permitindo que a empresa só reconheça as obrigações trabalhistas relativas às comissões quando houver efetiva receita proveniente das vendas.
2. Integração nas Verbas Trabalhistas
Outro impacto relevante do Tema 65 do TST está na forma como as comissões devem ser consideradas na base de cálculo das verbas trabalhistas de natureza remuneratória. A partir da fixação da tese, ficou definido que os valores de comissão só integrarão a base de cálculo das seguintes verbas após o efetivo pagamento pelo cliente:
- Férias;
- 13º salário;
- FGTS;
- Aviso prévio.
Essa determinação reforça o princípio da correlação entre a efetiva disponibilidade econômica da remuneração e a obrigação de recolhimento de encargos sociais e tributários. Em outras palavras, as empresas só devem contabilizar as comissões para fins de encargos legais quando o direito à comissão for plenamente exigível, ou seja, após o recebimento dos valores devidos pelos clientes.
Além disso, o TST destacou que essa medida busca evitar o recolhimento antecipado de encargos sobre valores incertos, preservando a saúde financeira das empresas e promovendo maior adequação entre receitas e despesas salariais.
Do ponto de vista prático, recomenda-se que os departamentos de Recursos Humanos, Fiscal e Contábil atualizem seus controles internos e os sistemas de folha de pagamento para assegurar que as comissões só sejam integradas às verbas legais no momento adequado, evitando questionamentos futuros por parte da fiscalização ou da Justiça do Trabalho.
3. Revisão de Contratos e Políticas Internas
A decisão do TST ao fixar o Tema 65 impõe uma revisão detalhada de todos os instrumentos que regem a política de comissionamento nas empresas. As organizações devem adotar uma abordagem proativa para garantir a conformidade com a nova tese vinculante, evitando futuros passivos trabalhistas.
As medidas recomendadas incluem:
- Incluir cláusulas expressas de condição suspensiva: Os contratos de trabalho devem conter dispositivos claros determinando que o pagamento das comissões somente ocorrerá após o efetivo recebimento do valor pelo cliente. Essa cláusula reforça a segurança jurídica da empresa e diminui o risco de questionamentos futuros.
- Revisar planos de remuneração variável: Os regulamentos internos e os planos de comissão devem ser atualizados para refletir o novo marco de exigibilidade das comissões. É importante que conste expressamente que o direito à comissão nasce apenas com a entrada financeira decorrente da venda.
- Ajustar as rotinas de folha de pagamento: O sistema de processamento de salários e benefícios deve ser parametrizado para reconhecer as comissões apenas quando houver a comprovação de pagamento pelo cliente. Isso evita erros no cálculo de encargos sociais e protege a empresa contra autuações fiscais.
- Documentação de ciência dos empregados: Recomenda-se que a empresa formalize a ciência dos vendedores sobre as novas regras, seja por aditivo contratual ou termo de concordância, garantindo maior transparência nas relações de trabalho.
- Treinamento das equipes internas: As áreas de Recursos Humanos, Jurídico e Comercial devem ser capacitadas quanto aos impactos do Tema 65 e orientadas sobre a aplicação correta das novas diretrizes.
4. Impactos Contábeis e de Compliance
A decisão do TST também traz reflexos significativos na contabilidade, nas rotinas fiscais e nos processos de compliance das empresas. O novo marco regulatório impõe a necessidade de adequação em diferentes frentes:
- Ajustes em provisões trabalhistas: Apenas as comissões efetivamente exigíveis, ou seja, aquelas relativas a vendas já quitadas pelos clientes, devem entrar nas projeções de encargos sociais e trabalhistas. Isso exige que os setores de Recursos Humanos e Contabilidade revisem as metodologias de provisionamento.
- Controles rigorosos sobre o fluxo de recebimentos: Será imprescindível manter uma conciliação detalhada entre os registros de faturamento e os pagamentos efetivos realizados pelos clientes. Ferramentas de conciliação bancária integradas aos sistemas de gestão de comissões podem se tornar indispensáveis.
- Lançamento contábil da obrigação comissionária: A obrigação trabalhista vinculada à comissão só deverá ser reconhecida contabilmente quando houver o fato gerador: o recebimento do valor da venda. Isso implica na revisão de rotinas de fechamento contábil mensal, evitando provisionamentos indevidos ou antecipados.
- Ajuste nas práticas de auditoria interna: Departamentos de compliance e auditoria devem incluir o acompanhamento da conformidade com o Tema 65 em seus checklists de controle, garantindo que as práticas contábeis e financeiras estejam alinhadas à nova jurisprudência.
- Alinhamento com o jurídico: Recomenda-se que o departamento financeiro mantenha diálogo contínuo com o setor jurídico para garantir a correta interpretação e aplicação das novas diretrizes, minimizando o risco de contingências futuras.
- Treinamento das equipes financeiras: As equipes de contabilidade, controladoria e financeiro devem ser treinadas sobre o novo critério de exigibilidade, para que todas as áreas envolvidas entendam os impactos operacionais, tributários e de compliance.
5. Proibição de Estorno de Comissões Já Pagas
Outro ponto central trazido pelo Tema 65 é a vedação expressa ao estorno de comissões já pagas ao vendedor. Segundo a tese vinculante firmada pelo TST:
“A inadimplência ou cancelamento da compra pelo cliente não autoriza o empregador a estornar as comissões do empregado.”
Isso significa que, uma vez efetuado o pagamento da comissão ao vendedor (após o recebimento da venda pela empresa), o valor torna-se irreversível, mesmo que o cliente posteriormente cancele a compra ou inadimple.
Essa proteção ao trabalhador está fundamentada no princípio da intangibilidade salarial, que impede a redução salarial por motivos alheios à conduta do empregado. O TST deixou claro que a decisão visa preservar a segurança jurídica do trabalhador, protegendo-o contra variações posteriores no ciclo comercial que não estão sob sua responsabilidade.
Do ponto de vista prático, as empresas devem reforçar o controle sobre o fluxo de recebimentos antes de liberar o pagamento das comissões, evitando a necessidade de ajustes futuros. Essa regra também exige que os departamentos de Recursos Humanos e Financeiro estejam plenamente alinhados para assegurar que a apuração e pagamento das comissões somente ocorram após a efetiva liquidação financeira da venda.
Além disso, a decisão tem impactos fiscais: valores pagos a título de comissão, uma vez efetivados, devem ser considerados definitivos para fins de recolhimento de encargos sociais, como INSS e FGTS, sem possibilidade de estorno posterior. Isso reforça a necessidade de controles internos rigorosos sobre o ciclo de faturamento, recebimento e cálculo de comissões.
Exemplos Práticos de Aplicação
- Exemplo 1: Uma venda realizada em abril teve o pagamento do cliente apenas em julho. A comissão só será exigível a partir de julho, conforme estabelece o Tema 65 do TST, que vincula o direito à comissão ao efetivo recebimento dos valores pelo empregador.
- Exemplo 2: Caso o cliente inadimple e não efetue o pagamento, a empresa não será obrigada a pagar a comissão ao vendedor. Essa situação reforça a necessidade de que as empresas implementem controles rigorosos sobre a confirmação de recebimentos antes da liberação dos pagamentos de comissão.
- Exemplo 3: Um cliente quitou uma compra em maio, mas em julho solicitou o cancelamento e a devolução dos valores pagos. Mesmo assim, a empresa não pode exigir a devolução nem realizar desconto da comissão já paga ao vendedor, conforme a tese vinculante do Tema 65. A decisão do TST protege a remuneração já incorporada ao patrimônio jurídico do trabalhador e proíbe o estorno de valores comissionados já pagos.
- Exemplo 4: Uma empresa que trabalha com vendas parceladas deverá realizar o pagamento das comissões proporcionalmente ao recebimento de cada parcela, garantindo o alinhamento com o fluxo financeiro real da operação e respeitando a nova regra de exigibilidade estabelecida pelo TST.
- Exemplo 5: Para evitar eventuais dúvidas e litígios futuros, uma empresa do setor de tecnologia revisou todos os contratos de seus vendedores e incluiu cláusula específica sobre a condição suspensiva do pagamento de comissões, além de estabelecer no plano de remuneração que o pagamento somente será processado após a confirmação bancária da liquidação das vendas.
Cuidados e Recomendações para Empresas
Diante das significativas mudanças trazidas pelo Tema 65 do TST, é fundamental que as empresas adotem uma abordagem integrada e estratégica para garantir a conformidade jurídica e evitar riscos trabalhistas e fiscais. As principais recomendações incluem:
- Atualização imediata de contratos e planos de comissão: Os contratos de trabalho e os planos de remuneração variável devem ser revisados para incluir cláusulas claras sobre a condição suspensiva de pagamento das comissões, vinculando o direito à comissão ao efetivo recebimento pelo cliente.
- Inclusão de cláusulas específicas de condição suspensiva: As cláusulas devem explicitar que o pagamento da comissão só ocorrerá após o ingresso do recurso financeiro no caixa da empresa, com base na tese vinculante estabelecida pelo TST.
- Controle detalhado de recebimentos de clientes: A empresa deve implementar um sistema eficiente de conciliação de recebimentos, garantindo que apenas comissões referentes a vendas efetivamente pagas sejam calculadas e liberadas. O acompanhamento diário ou semanal dos recebimentos pode ajudar a evitar inconsistências.
- Treinamento das áreas de Recursos Humanos, Jurídico e Comercial: As equipes devem ser capacitadas para entender os impactos da nova regra, com orientações claras sobre os novos procedimentos operacionais, desde a elaboração de contratos até o processamento da folha de pagamento.
- Revisão das provisões contábeis relacionadas a encargos trabalhistas: As áreas contábil e fiscal devem ajustar as políticas internas de provisionamento, assegurando que os encargos trabalhistas incidentes sobre comissões (como INSS, FGTS e férias) só sejam reconhecidos após a configuração da exigibilidade, ou seja, após o recebimento das vendas.
- Documentação de ciência por parte dos vendedores: Recomenda-se que as empresas colham a assinatura de termos de ciência ou aditivos contratuais, formalizando a concordância dos empregados com as novas regras estabelecidas, reforçando a transparência e a segurança jurídica.
Conclusão
O Tema 65 do TST representa um marco histórico na jurisprudência trabalhista brasileira ao uniformizar a interpretação sobre a exigibilidade das comissões de vendedores. Sua correta implementação traz diversos benefícios para as empresas, como a mitigação de riscos trabalhistas, maior segurança jurídica nas relações de trabalho e um alinhamento mais preciso entre o ciclo financeiro e a política de remuneração variável.
A adoção desse novo entendimento permite que as empresas planejem com mais exatidão seus custos com pessoal, evitem provisionamentos indevidos e reduzam a exposição a litígios trabalhistas. Além disso, reforça a cultura de compliance e governança interna ao exigir maior controle financeiro e documental sobre os fluxos de comissionamento.
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Dúvidas Frequentes sobre o Tema 65 do TST (FAQ)
O que é o Tema 65 do TST?
O Tema 65 é uma tese vinculante firmada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) que definiu, de forma unificada para toda a Justiça do Trabalho, que o direito à comissão do vendedor só se configura após o efetivo pagamento do cliente à empresa contratante. Essa decisão consolidou a teoria do adimplemento e eliminou as divergências jurisprudenciais existentes sobre o tema.
A decisão do Tema 65 é obrigatória para todas as empresas?
Sim. Por se tratar de uma tese fixada em sede de recurso repetitivo com efeito vinculante, o Tema 65 deve ser observado obrigatoriamente por todas as instâncias da Justiça do Trabalho, em todo o território nacional. Isso significa que empresas de qualquer setor e porte precisam adaptar suas práticas contratuais, contábeis e operacionais para garantir conformidade com o novo entendimento.
Preciso alterar os contratos dos vendedores?
Sim. É altamente recomendável que as empresas realizem uma revisão imediata de todos os contratos de trabalho, especialmente aqueles que envolvem remuneração variável com base em comissões. Essa revisão deve incluir a inserção de cláusulas claras sobre a condição suspensiva do pagamento das comissões, alinhadas ao novo critério de exigibilidade definido pelo TST. Além disso, é importante formalizar a ciência dos vendedores sobre essas alterações para evitar questionamentos futuros.
O Tema 65 também afeta comissões sobre vendas parceladas?
Sim. O entendimento do TST se aplica igualmente a vendas parceladas. Nesse caso, as empresas devem pagar as comissões de forma proporcional ao recebimento de cada parcela paga pelo cliente, respeitando o critério de exigibilidade vinculado ao adimplemento financeiro.
Como o Tema 65 impacta o recolhimento de encargos sociais sobre as comissões?
O Tema 65 determina que os encargos sociais, como INSS, FGTS e verbas como férias e 13º salário, só devem ser calculados e recolhidos após a comissão se tornar exigível, ou seja, após o recebimento efetivo da venda pelo cliente. Isso implica ajustes nos sistemas de folha de pagamento e nos processos de apuração contábil para garantir conformidade com a nova regra.