A recente consolidação jurisprudencial promovida pelo Tribunal Superior do Trabalho, por meio do julgamento do Tema 57 em sede de Incidente de Recurso de Repetitivo (IRR), representa um avanço significativo na interpretação das normas que regem a remuneração dos empregados comissionistas.
A decisão pacifica antiga controvérsia quanto à inclusão dos juros e demais encargos financeiros nas comissões incidentes sobre vendas a prazo, conferindo maior previsibilidade às relações contratuais e resguardando a natureza remuneratória integral do trabalho desempenhado.
1. Contextualização e escopo da tese fixada
O cerne da discussão consistia em definir se os juros e encargos embutidos nas vendas parceladas deveriam integrar ou não a base de cálculo das comissões devidas aos empregados vendedores.
A ausência de uniformidade entre os Tribunais Regionais do Trabalho gerava decisões contraditórias, ora reconhecendo a legitimidade da exclusão, ora determinando a inclusão dos encargos financeiros no cálculo remuneratório.
Diante desse cenário, o TST, ao apreciar o IRR, fixou a seguinte tese de observância obrigatória:
“As comissões devidas ao empregado vendedor, em razão de vendas a prazo, devem incidir sobre o valor total da operação, incluídos os juros e demais encargos financeiros, salvo se houver pactuação em sentido contrário.”
A formulação da tese não cria inovação normativa, mas uniformiza a interpretação judicial, conferindo estabilidade e coerência à aplicação do direito. A decisão vincula os órgãos da Justiça do Trabalho, nos termos do artigo 926 do CPC e do artigo 896-C da CLT.
2. Fundamentação jurídica: proteção remuneratória e segurança jurídica
A Corte Superior baseou-se em fundamentos de índole constitucional, infraconstitucional e principiológica. Sob o prisma constitucional, invocou-se o artigo 7º, inciso X, da Constituição Federal, que consagra o direito à remuneração proporcional à natureza e quantidade do trabalho prestado.
Assim, ao se reconhecer que os juros e encargos compõem o valor efetivamente contratado com o cliente, conclui-se que a exclusão desses elementos da base de cálculo das comissões representaria redução artificial da contraprestação devida ao trabalhador.
Do ponto de vista infraconstitucional, a decisão harmoniza-se com a Lei nº 3.207/1957, que regula a atividade dos empregados vendedores, viajantes e pracistas, a qual não distingue o valor à vista do valor a prazo para fins de cálculo das comissões.
A leitura sistemática dessa norma, em conjunto com o artigo 457 da CLT, reforça a compreensão de que a remuneração variável deve refletir o resultado econômico integral da venda realizada.
Por fim, a decisão atende ao princípio da segurança jurídica, ao eliminar divergências interpretativas que produziam incertezas nas relações laborais e desincentivavam o cumprimento voluntário das obrigações empresariais.
3. A autonomia privada e a exceção admitida
Embora a regra geral estabeleça a inclusão dos encargos financeiros na base de cálculo, o TST reconheceu a possibilidade de pactuação diversa, desde que observados critérios estritos de validade jurídica.
A exclusão dos encargos será legítima apenas quando:
- houver cláusula contratual expressa ou previsão em instrumento coletivo;
- o ajuste for celebrado de maneira livre, transparente e informada;
- e a redação contratual for inequívoca quanto à exclusão de juros e encargos da base comissional.
A ausência de pactuação formal implica a aplicação automática da regra vinculante do Tema 57. Vale ressaltar que cláusulas genéricas ou implícitas podem ser reputadas nulas por violarem o princípio da proteção e a boa-fé objetiva, ensejando a recomposição das diferenças remuneratórias em juízo.
4. Repercussões práticas e medidas de adequação empresarial
A fixação da tese vinculante demanda postura ativa de compliance trabalhista por parte das empresas que remuneram empregados com base em comissões.
As áreas de Recursos Humanos, Jurídico e Controladoria devem proceder a revisões e ajustes em três dimensões principais:
- Contratual: análise das cláusulas existentes e adequação para garantir conformidade com a tese do TST;
- Operacional: atualização dos sistemas de folha e ERPs, de modo que os cálculos reflitam o valor total das operações a prazo;
- Preventiva: capacitação das lideranças e auditoria de passivos, com o objetivo de mitigar riscos de demandas retroativas.
Ignorar a tese implica potencial passivo de natureza salarial e reflexa, abrangendo diferenças em férias, 13º salário, FGTS e verbas rescisórias, além de eventual condenação em honorários de sucumbência e encargos legais.
5. A jurisprudência e o dever de coerência decisória
A consolidação do Tema 57 reforça o papel do TST como tribunal de uniformização da jurisprudência trabalhista, em conformidade com o dever de estabilidade, integridade e coerência previsto no artigo 926 do CPC.
Decisões que contrariem a tese poderão ser revistas mediante recurso de revista, sob o fundamento de violação direta à jurisprudência consolidada.
Importante destacar que a tese não se aplica aos representantes comerciais autônomos, regidos pela Lei nº 4.886/1965, por ausência de vínculo empregatício e de subordinação jurídica — distinção essencial para evitar interpretações equivocadas.
6. A Lei nº 3.207/1957 e seu papel complementar
A Lei nº 3.207/1957 permanece como pilar normativo das relações envolvendo vendedores comissionistas.
Entre seus dispositivos mais relevantes, destacam-se:
- a obrigatoriedade de remuneração proporcional ao volume de vendas, sem distinção entre operações à vista e a prazo;
- a necessidade de prestação de contas detalhada pelo empregador;
- e o reconhecimento do vínculo empregatício mesmo nas atividades externas, desde que presente a subordinação.
A lei reforça a natureza salarial das comissões e assegura transparência nas relações de trabalho, princípios que sustentam o entendimento firmado pelo TST.
7. Considerações finais
A tese fixada no Tema 57 do TST consolida diretriz interpretativa de extrema relevância prática e simbólica para o Direito do Trabalho contemporâneo.
Ao garantir que a remuneração variável do comissionista corresponda ao valor total da operação de venda — com inclusão dos encargos financeiros — o Tribunal reafirma o princípio da dignidade da remuneração e a vedação a práticas que possam reduzir a contraprestação devida sob pretextos contábeis.
Do ponto de vista empresarial, o novo paradigma exige governança trabalhista qualificada, baseada em compliance, transparência e controle técnico dos processos de remuneração. Empresas que se anteciparem à adequação normativa reduzirão riscos, fortalecerão sua imagem institucional e promoverão relações laborais mais equilibradas e sustentáveis.
O RCP Advogados encontra-se assessora seus clientes na implementação das medidas necessárias à conformidade com o Tema 57, oferecendo:
- revisão e atualização contratual,
- auditoria de cálculos comissionais e folha de pagamento,
- treinamento jurídico de equipes internas, e
- consultoria preventiva e contenciosa especializada.
Nosso propósito é assegurar que cada cliente disponha de segurança jurídica, previsibilidade financeira e solidez institucional, alinhando práticas empresariais ao entendimento consolidado do TST e às normas de proteção ao trabalho.
Referências e jurisprudências
Constituição Federal, art. 7º, inc. X.
CLT, art. 457 e art. 896-C.
Lei nº 3.207/1957.
CPC, art. 926.
IRR – Tema 57, TST (julgado em 2023).