Descubra como a Lei do Superendividamento (Lei nº 14.181/21) altera as práticas de crédito e impõe novas responsabilidades para empresas, promovendo práticas de crédito mais responsáveis e protegendo os direitos dos consumidores.
A Lei nº 14.181, promulgada em julho de 2021, introduziu no Código de Defesa do Consumidor disposições específicas para combater o superendividamento dos consumidores, enfatizando a proteção ao mínimo existencial e a promoção de práticas de crédito responsável. A seguir, exploramos os principais aspectos e definições trazidos pela lei:
Contexto Econômico e Necessidade da Lei do Superendividamento
De acordo com dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), em 2021, cerca de 29,4% das famílias brasileiras estavam endividadas, sendo que 13,5% delas estavam com dívidas em atraso. Além disso, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o desemprego no país atingiu 14,4% da população em fevereiro de 2021, o que contribui para o aumento do superendividamento.
O aumento do endividamento das famílias pode ser explicado por diversos fatores, como a pandemia da Covid-19, que levou a uma crise econômica, e o aumento do custo de vida. Além disso, a facilidade de acesso ao crédito, muitas vezes oferecido sem critérios de análise de crédito adequados, pode levar as pessoas a se endividarem de forma excessiva.
Os dados mostram que o superendividamento é um problema real e preocupante no Brasil, afetando milhões de pessoas. É importante que as pessoas estejam cientes dos riscos do superendividamento e adotem medidas para evitar esse problema. Além disso, é fundamental que as instituições financeiras, governos e outras entidades tomem medidas para evitar práticas abusivas e promovam a educação financeira da população.
Definição de Superendividamento e Principais Aspectos da Lei nº 14.181
O conceito de superendividamento delineado pela lei reflete a situação de consumidores que não conseguem cumprir suas obrigações financeiras sem afetar a capacidade de manter um padrão de vida básico. A lei especifica que o superendividamento é a “incapacidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial”. Este conceito é fundamental para diferenciar o superendividamento de simples casos de inadimplência, pois foca na sustentabilidade financeira a longo prazo do consumidor.
Exclusões Importantes da Lei do Superendividamento
A lei é clara ao estabelecer exclusões específicas dentro do âmbito do superendividamento. Dívidas que não são protegidas pela lei incluem:
- Dívidas de Pessoas Jurídicas: A proteção é estritamente voltada para consumidores individuais, refletindo o foco da lei em questões de consumo pessoal, não empresarial.
- Dívidas Contraídas por Fraude ou Má-fé: Compromissos financeiros assumidos com intenção enganosa ou fraudulenta não são abrangidos pela lei.
- Dívidas oriundas de Luxo: Aquisições de alto valor que não correspondem a necessidades básicas são categoricamente excluídas, o que reforça o princípio de que a proteção visa salvaguardar um padrão de vida básico, não sustentar um estilo de vida extravagante.
Proteção ao Mínimo Existencial na Lei nº 14.181
O conceito de “mínimo existencial” é central na aplicação da lei e refere-se ao mínimo necessário para que uma pessoa mantenha uma existência digna. Este conceito é essencial para assegurar que, mesmo em meio a dificuldades financeiras, os consumidores possam cobrir despesas básicas como moradia, alimentação e saúde. A lei instrui que esse mínimo deve ser preservado mesmo na renegociação de dívidas.
Implicações da Lei do Superendividamento da para as Empresas
Para as empresas, especialmente aquelas no setor financeiro, entender esses aspectos da lei é crucial. Elas devem ajustar suas práticas de concessão de crédito e de cobrança para garantir que não apenas estejam em conformidade com os novos regulamentos, mas também para evitar práticas que possam levar ao superendividamento dos consumidores. Isso inclui avaliar de forma mais rigorosa a capacidade de pagamento do consumidor antes de conceder crédito e evitar estratégias de cobrança que possam comprometer o mínimo existencial do devedor.
Informações Obrigatórias no Processo de Concessão de Crédito
Transparência Total
As empresas devem garantir total transparência durante o processo de concessão de crédito, informando claramente:
- Custo Efetivo Total: incluindo e sem financiamento, detalhando todos os componentes que afetam este custo.
- Taxas de Juros: tanto a taxa efetiva mensal quanto as taxas de mora, além de outros encargos aplicáveis em caso de atrasos.
- Detalhes do Contrato: incluindo o total das prestações e o prazo de validade da oferta, que deve ser de no mínimo dois dias.
- Informações do Fornecedor: nome e endereço, incluindo o endereço eletrônico.
- Direitos de Liquidação Antecipada: esclarecer que o consumidor pode quitar sua dívida antecipadamente sem custos adicionais, conforme o artigo 52 do Código de Defesa do Consumidor.
Cópia do Contrato
É imperativo que o consumidor receba uma cópia do contrato, assegurando que todas as cláusulas e condições sejam compreendidas e acordadas de maneira transparente.
Práticas Vedadas
Algumas práticas são explicitamente proibidas pela nova legislação, incluindo:
- Limitação de Acesso ao Judiciário: as empresas não podem incluir cláusulas que restrinjam o direito do consumidor de buscar o judiciário.
- Publicidade Enganosa: é proibido anunciar produtos de crédito sugerindo que não há verificação de crédito ou análise financeira do cliente.
- Assédio em Vendas: a prática de pressionar os consumidores para fechar contratos, especialmente através de métodos invasivos como o telemarketing agressivo, é vetada.
Inovações da Lei do Superendividamento
Entre as novidades introduzidas pela Lei nº 14.181/21, destacam-se:
- Direito de Contestação de Cobranças: os consumidores podem notificar administradoras de cartão de crédito sobre disputas em faturas, impedindo a cobrança até que o problema seja resolvido.
- Renegociação de Dívidas: similar a uma recuperação judicial para pessoas físicas, essa nova disposição permite que consumidores solicitem judicialmente uma renegociação de suas dívidas com todos os credores presentes, estabelecendo um plano de pagamento de até cinco anos, com o mínimo existencial preservado.
Impacto da Lei nº 14.181/21 para Empresas do setor Financeiro
As instituições financeiras e empresas de crédito precisam adotar medidas detalhadas e claras para garantir transparência na oferta de crédito ao consumidor, conforme a nova Lei do Superendividamento. Essas medidas incluem a obrigatoriedade de fornecer informações completas e compreensíveis sobre custos, taxas de juros, prazos e direitos à liquidação antecipada, para evitar práticas predatórias e garantir que o consumidor esteja ciente de suas obrigações e direitos. Além disso, a lei proíbe estratégias agressivas de marketing e a inclusão de cláusulas que limitem o acesso do consumidor ao judiciário.
A renegociação de dívidas também é um ponto crucial da legislação, oferecendo ao consumidor a opção de negociar judicialmente suas dívidas em uma audiência de conciliação, estabelecendo um plano de pagamento que preserve seu mínimo existencial. Esta abordagem proativa ajuda a criar um ambiente de crédito mais equilibrado e responsável, beneficiando tanto consumidores quanto empresas. As empresas devem revisar seus contratos e práticas para alinhamento com estas novas diretrizes e evitar penalidades legais, contribuindo para um mercado financeiro mais estável e justo.
A Lei do Superendividamento e a Recomendação n. 125/2021 do CNJ*
A Recomendação n. 125/2021 do CNJ é uma importante ferramenta para fortalecer a legislação do superendividamento, buscando aprimorar as práticas de conciliação e renegociação de dívidas. Essa recomendação orienta os Procons e os tribunais a adotarem procedimentos que facilitem a negociação entre credores e devedores, promovendo uma abordagem mais estruturada e eficiente para o tratamento do superendividamento. Ela estabelece diretrizes claras para que as audiências de conciliação sejam conduzidas de maneira eficaz, assegurando que os consumidores tenham a oportunidade de renegociar suas dívidas em condições justas e equitativas.
Além disso, a recomendação enfatiza a importância da capacitação e da sensibilização dos envolvidos nessas negociações, incluindo juízes, conciliadores e funcionários dos Procons. Isso inclui treinamentos específicos sobre as nuances do superendividamento e as melhores práticas para conduzir processos de renegociação. Essa iniciativa visa não apenas resolver casos individuais de dívida, mas também criar um ambiente mais favorável para prevenir o superendividamento futuro, garantindo que os consumidores sejam protegidos contra práticas abusivas e tenham acesso a informações claras sobre suas obrigações e direitos.
Um novo paradigma para consumidores endividados e para Empresas de Crédito
A Lei do Superendividamento é um marco significativo na proteção dos consumidores, especialmente em um contexto econômico desafiador, onde as dívidas tendem a crescer e se tornar insustentáveis. A nova legislação não apenas oferece uma esperança de recomeço para indivíduos superendividados, mas também impõe novos deveres e responsabilidades para as empresas que fornecem crédito. Para as empresas, a lei serve como um chamado à adoção de práticas de crédito mais responsáveis e éticas, garantindo que a concessão de crédito seja feita de maneira a não prejudicar a capacidade financeira dos consumidores.
Portanto, é fundamental que as empresas revisem suas políticas e procedimentos para garantir conformidade com a lei. Ao fazer isso, as empresas não só evitarão as penalidades por não conformidade, mas também contribuirão para um ambiente de crédito mais saudável e sustentável.
Referência:
Lei nº 14.181/21 na íntegra: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14181.htm
https://www.jusbrasil.com.br/artigos/superendividamento-no-brasil-qual-e-a-situacao-atual/1825040130